Este post é a continuação da história da galinha d’angola que ganhei da Paola Carosella. Se você tem um tempinho, sugiro que comece a leitura por lá. Aposto que achará essa galinha d’angola assada ainda mais interessante. ;)
Depois de 4 horas de viagem, a galinha e eu chegamos em Ubatuba. Ela foi para a geladeira, enquanto eu tentava organizar minimamente as malas de quase um mês fora de casa. O ideal teria sido dedicar-me imediatamente a ela, mas a noite se aproximava e, além da responsabilidade de aproveitar não só sua carne como suas penas, eu também precisava fotografar o processo para mostrar para a Paola Carosella. Portanto, só no dia seguinte a galinha e eu voltamos a nos ver.
O primeiro passo era depenar. Eu nunca havia sequer presenciado alguém fazer isso. Recorri a um manual da Embrapa e me guiei pela temperatura e pelo tempo por ele indicado: 5 minutos de imersão a 65ºC. Feito isso, tirei a galinha da água e, assim que a temperatura permitiu o manuseio, comecei a depená-la.
Da experiência de depenar, ressalto três coisas.
1) Sempre escutei as pessoas dizerem que o cheiro na hora de depenar era horrível e inesquecível. A única coisa que senti foi cheiro de bicho molhado, idêntico ao de um gato ou cachorro que tomou chuva.
2) A pele acabou soltando em algumas partes, então, se o desafio fosse vender uma galinha com aspecto perfeito, eu estaria reprovada.
3) Achei chato e trabalhoso depenar a galinha. Gastei uma hora e, toda vez que eu desejava que acabasse logo, pensava em como era importante passar por aquilo para valorizar o trabalho dos pequenos criadores e os R$30 que pago pela galinha na feira.
Passo seguinte: limpar a galinha d’angola. Isso sim foi meio difícil. Abri pelas costas, com cuidado para não romper os órgãos internos, e aí senti um cheiro que, seguido da visão do intestino, me enjoou instantaneamente. Virei para o lado, respirei fundo, e segui em frente. Reservei a moela, o fígado e o coração — que logo foram para a frigideira para depois virarem esse patê aqui — e lavei bem a galinha.
“Ufa! Agora basta cortar a galinha.”, pensei. Mas ao olhar para o lado, as formigas já invadiam a tigela com as penas. A galinha foi para a geladeira, enquanto eu limpei as pontas das penas e as coloquei numa panela com água fervente. Escorri e as deixei secar no sol ,dentro do próprio escorredor. Aí sim: ufa!
Cortei a galinha d’angola em pedaços e assei todos até ficarem bem tostadinhos. Bem à moda Paola. Preparei um tempero simples para marinar coxas e sobrecoxas e o restante temperei apenas com sal, pimenta-do-reino e azeite. Como era carne demais para eu comer em dois dias, congelei o peito para algum preparo que ainda virá. Com a carcaça, os pés e a cabeça, fiz um caldo saboroso. As asinhas, o pescoço e o rabinho, comi assim que saíram do forno. Estavam irresistíveis! As coxas e sobrecoxas acompanhei com uma massa finalizada com manteiga, cúrcuma (açafrão-da-terra) e nozes. O tempero e a combinação com a massa ficaram muito bons; vocês poderão comprovar em casa.
Mas saber de onde veio a galinha, recebê-la inteira e deixá-la pronta para o consumo através das minhas próprias mãos… isso transformou a experiência em algo muito maior. Participar do ciclo quase completo não me trouxe culpa. Pelo contrário, senti satisfação. O bicho que saciou minha fome teve uma vida livre e saudável e eu tive a capacidade de preparar meu próprio alimento. E não menos importante, conhecer de onde vem o alimento me possibilita não compactuar com um dos maiores problemas que o mundo enfrenta de pouco tempo para cá: a escala industrial na produção de comida. Essa, faz com que as plantações sejam abarrotadas de venenos, cria de maneira cruel porcos, frangos e galinhas, bois e vacas, e produz artigos comestíveis compostos por muitas coisas que nem fazemos ideia do que se tratam. E isso eu evito ao máximo colocar na minha boca.
Para concluir, quero deixar duas coisas claras.
A primeira, é que eu não sou radical; basta passear um pouco pelo blog para perceber isso. Faço doces com leite condensado em situações festivas e, vez ou outra, até compro um pacote de biscoito recheado numa TPM mais abusada. Como sim algumas “porcarias”, como meu avô afetivamente chamava. A diferença é que elas não estão frequentam meu cotidiano, meus carrinhos de supermercado, geladeira ou despensa.
A segunda é que, sim, comprar de pequenos produtores algumas vezes custa mais caro. Mas isso não significa gastar mais dinheiro. O que faço é comprar preferencialmente alimentos da estação — mais gostosos, nutritivos e baratos —, aproveitar ao máximo — folha de beterraba, raiz de coentro, casca de banana, semente de abóbora, etc —, e, em casos como o frango, comer com menos frequência. Peixes pescados nas proximidades e ovos — ah, os ovos! <3 — são ótimas opções.
Escrevi mais que o habitual, né?! Então paro por aqui, deixando logo abaixo a receita, e aguardando as opiniões de vocês nos comentários.
Galinha d’angola assada (pode ser qualquer galinha)
Rendimento
Serve duas pessoas
Ingredientes para a galinha d’angola
2 coxas e sobrecoxas com pele
1 colher (sopa) de mostarda
1 colher (sopa) de sálvia picada
1 dente de alho picadinho
1/4 de xícara de vinagre balsâmico
1/2 xícara de azeite
1 cebola média cortada em fatias de +/- 2 cm
sal e pimenta-do-reino a gosto
Ingredientes para a massa, sem medidas e com muita confiança na capacidade de vocês ;)
150 g da massa longa de sua preferência
manteiga
açafrão-da-terra (cúrcuma) picadinho
nozes grosseiramente picadas
água do cozimento da massa
sal a gosto
Modo de fazer a galinha d’angola assada
Reserve a galinha, o sal e a cebola. Misture os demais ingredientes, até o azeite e o vinagre não estarem mais separados.
Em uma travessa rasa ou em uma sacola plástica para alimentos, coloque a mistura preparada junto com as coxas e sobrecoxas. Deixe marinar de 30 minutos a 1 hora na geladeira. Retire da geladeira e deixe em temperatura ambiente enquanto aquece o forno em 180ºC.
Unte um tabuleiro com azeite, distribua as fatias de cebola lado a lado e, sobre elas, acomode os pedaços da galinha. Levante a pele e distribua a marinada. Salpique sal sobre a carne e sobre a pele e leve ao forno aquecido por aproximadamente 30 minutos, ou até que a pele esteja douradinha.
Quem tem grill no forno, doure a galinha sob o grill por alguns minutos e depois asse-a normalmente.
Modo de fazer a massa
Cozinhe a massa por 1 minuto menos que o tempo descrito na embalagem. Escorra e reserve um pouco da água do cozimento.
Em uma frigideira ou panela, aqueça uma colher de manteiga e refogue o açafrão-da-terra. Junte um pouco da água do cozimento da massa, aguarde ferver, e coloque um punhado de manteiga. Misture vigorosamente até emulsionar. Prove e acerte o sal. Junte a massa e envolva-a bem com o molho. Se necessário, acrescente um pouco mais da água.
Desligue o fogo, junte as nozes picadas e sirva em seguida.
Esse remédio ou suplemento, tem a função de ajudar o homem a resolver esse problema , e de certa forma a sua parceira ou parceiras sexuais.
Ser criada no interior sempre me fez ver meu alimento de uma forma diferente. Experiência única. O que fez com as penas? Parabéns pela iniciativa de falar sobre o assunto.
Adorei seu relato!! Muita coragem fazer tudo isso, mas imagino sua satisfação ao ver que todo o processo foi feito por você. E sim, saber de onde vem o alimento, a maneira como os animais são criados é também muito importante. Pena que muitas vezes não temos tanta atenção e informação quanto a esses detalhes.
Parabéns!
Maria, Parabéns pelo post e pelo seu trabalho, muita gente nem imagina quanto trabalho da para a comida chegar no prato. Também concordo com você que o ideal seria saber de onde e como foi criado o animal que vai para a panela, porém também fico pensando que com tanta gente para ser alimentada no mundo fica difícil comer alimentos "artesanais" , acho que o problema é a grande escala, mas também acho que mesmo assim todos os animais deviam ser criados da melhor maneira possível , porém acho bem difícil isso ocorrer. grande abraço, Adoro o blog.
Oi, Marcia. Obrigada pela contribuição. :)
É necessária uma série de ajustes para que todos possamos comer alimentos produzidos em escalas menores, mas é possível. Um desses ajustes cabe a nós e pode ser feito a qualquer tempo: comer menos carne, seja ela de frango, porco, peixe ou boi. A quantidade consumida atualmente não é sustentável para o planeta. Além disso, pequenas atitudes podem ser significativas para nossa saúde e para o planeta, como, por exemplo, comprar alimentos frescos e produzidos mais próximos, ao invés de industrializados e importados. Isso vale para a sardinha, que pode ser fresca ao invés de enlatada, para o peixe pescado mais próximo de você, ao invés de salmão e atum, ao milho na espiga, ao invés do enlatado ou congelado. E por aí vai. Essa mudança pode parecer pequena quando a assumimos individualmente, mas, do que é feito o todo senão da soma de cada um de nós? ;)
Beijo!
[…] e açafrão. Carcaça, pés e cabeça viraram um caldo. Quem quiser continuar essa conversa (ou conhecer essas receitas), sinta-se bem-vindo ao […]
Meu deus,já dei muitas risadas vendo a galinha e não sei de onde tirei que a cor era preta carne bem escura, Pode coisa que eu deva ter ouvido quando criança.Mais como minha filha é louca por penosa vou ver se encontro pra fazer.
Essa estava divina, Diulza. Você pode fazer essa receita com qualquer frango ou galinha. E depois me conte o que você e sua filha acharam, tá?! :)
Maria, o que mais me deixa curioso neste momento é saber o que você pretende fazer com as penas!
Surpresa… ;)
As penas ainda estão passando por um processo criativo. Semana que vem mostrarei o que elas viraram.
Morta assim eu até encaro preparar, mas não tenho coragem de matar. Simplesmente não consigo, sei que parece hipocrisia vindo de uma onivora, que inclusive via a mãe matando galinhas, mas em minha defesa eu também consumo pouquissima carne. Mas sou totalmente a favor do conceito de que se um bicho tem que morrer para nos alimentar, que seja totalmente aproveitado. Toda alimentação humana provem de um ciclo de vida que se encerra, mesmo o veganismo, porque quem já arou terra sabe o onte de minhoquinha que morre no processo.
Olha só, nunca vi alguém mencionar as minhocas que morrem no processo. Obrigada pela informação e pelo relato, Dricka. :)